Viagem do pensamento

Este final de semana fui assistir “Na Estrada”, o filme de Walter Salles que é uma adaptação para o cinema do livro “On the Road” de Jack Kerouac . O livro de 1957 (que eu não li) é uma retrato da juventude americana no pós-guerra, a geração ‘beatnik” e é centrado na história de Sal, Dean e Marylou e suas andanças pelas estradas dos Estados Unidos, Canadá e México. O filme tem uma fotografia bonita, bons atores mas em várias horas me senti como as crianças, perguntando se iria demorar muito para chegar ao destino, pois a viagem pelas horas do filme parecia interminável. Os momentos arrastados e contemplativos  de “Na Estrada” porém, não desqualificam as reflexões que ele provoca e não há como não sentir uma pequena inveja do prazer e da irresponsabilidade que os personagens do filme transbordam. Ver o filme me levou de volta a uma pergunta clássica da juventude: o que aconteceria com a minha vida se amanhã ao invés de ir para a escola ou para o trabalho, eu resolvesse ir morar na praia ? E se eu pegasse o carro e dirigisse sem destino ? Hoje em dia as respostas que viriam de minha mente seriam pragmáticas, adultas e talvez um pouco amargas: em algum momento você não teria dinheiro para colocar gasolina e seu carro pararia ou antes disto você seria preso pelo não pagamento da pensão dos seus filhos. O bom do cinema e dos sonhos é que você pode escrever roteiros de ficção…as vezes eles se despedaçam junto com o toque do despertador mas ainda assim servem de alimento para uma grande viagem do pensamento.

Yuko,Waza-ari e Ippon

O mundo já está em ritmo de Olimpíadas de Londres. Primeiro veio a abertura..horas e horas de desfile de delegações.  Serviu para ampliar o meu repertório geográfico e ter enormes vantagens competitivas caso eu jogue “Stop”, afinal Quirguistão, Tadjiquistão e Palau  certamente valerão dez pontos pois praticamente ninguém os conhece .  Cerimônia de abertura de Olimpíadas para mim está na mesma categoria de desfile de escola de samba ou musicais da Broadway . Ou seja: serve para você ter assunto durante o jantar em família com a sua avó mas se você tiver alguma coisa melhor para fazer na hora que estiver passando na TV, faça.

Depois da festa, ontem finalmente começaram as competições e a participação do Brasil. A judoca Sara Menezes avançava e resolvi acompanhá-la em suas lutas. Foi muito interessante…Fiquei feliz por ela ter ganho a sua medalha de ouro mas tenho que admitir que não tenho a menor idéia de porque ela foi a vencedora. Entender o judô para mim foi um enigma digno de esfinge. As lutas levam cinco minutos. Durante mais ou menos quatro minutos e cinquenta e oito segundos a única coisa que acontece é uma lutadora ficar puxando a manga do judogui da outra (japonês para leigos: não, o traje dos judocas não se chama kimono… kimono quer dizer apenas “roupa” enquanto judogui quer dizer “roupa para a prática do judô”). Elas se agarram, a faixa na cintura se solta e os cabelos ficam todos desarrumados. Fica parecendo um duelo de descabeladas, Jumas Marruás sobre o tatame. O juiz para a luta, as lutadoras se arrumam e segundos depois voltam a se atracar . De repente alguém cai…se caiu de lado é uma coisa, se caiu de costas é outra e se caiu de cabeca não é nada…De uma hora para outra cartão de advertência para uma das lutadoras. Será que é porque o cabelo ficou desarrumado ? A faixa ficou fora do lugar ? Xingou o juiz ? Sei lá. Foi complexo…

Para o  espectador ignorante como eu ,Yukos, Waza-aris e Ippons foram como aquelas primeiras visitas a um restaurante japonês, tentando diferenciar sunomono, harumaki e misoshiro. Você sabe que são coisas completamente diferentes mas não as reconhece… sabe apenas que é melhor ter confiança no garçom do que tentar aprender…Você não tem idéia  do que comeu mas gostou da experiência…com o judô e seus golpes tive uma sensação bem parecida. Incríveis yukos (?), waza-aris (??) e ippons (???). Ouro para a Sara. Isto é o que importa…

Falafel

Seu filho de quase dez anos embarca para uma viagem a Paris. Você sabe que ele tirará fotos da torre Eiffel e do Arco do Triunfo, passeará as margens do Sena e visitará a Monalisa. Conhecerá Paris e guardará as suas lembranças de uma das cidades mais bonitas do mundo. Você fica feliz pela experiência que ele está tendo e ao mesmo tempo  um pouco triste pela saudade e frustrado de não estar mostrando a sua Paris para ele, da maneira egoísta e pretensiosa que você acredita que a cidade deva ser mostrada. A torre é de todos, a Monalisa é primeiro dos japoneses e depois de todo o resto mas você precisa mostrar para ele que tem um pedacinho de Paris que não é de todo mundo, que não pertence a multidão, é apenas para ele se lembrar de você.
– Filho, vá ao bairro do Marais (lembre-se de um Marreco…) e você verá um monte de restaurantes vendendo um sanduíche com um bolinho chamado Falafel. Experimente . Papai adora e você também irá gostar…
Os dias passam, os bolinhos de grão de bico caem no ostracismo e despretensiosamente você telefona para saber da vida
– E aí filho ? Como estão as coisas ? Foi na torre ? No Louvre ? Versailles ?
– Não pai, hoje estávamos andando pela rua e eu experimentei aquele bolinho que você me falou….É muito bom !
Nunca me senti tão conectado ao meu filho por causa de um falafel…O sabor  disto foi delicioso…infinitamente melhor do que o do sanduíche de bolinhos de grão de bico frito, foi gosto de sintonia ….de presença, mesmo a distância.

Nem blau blau e nem pimpão

As empresas que não são nativas no mundo digital tem se esforçado para acompanhar os seus jovens consumidores em suas viagens por novos segmentos . Observam-se aventuras e projetos nas redes sociais e a busca crescente por mídias que até algum tempo não faziam parte do plano clássico de investimentos em marketing destas empresas. Todos querem parecer moderninhos no Facebook, Twitter, Instagram e afins e descobrir formas novas e eficientes de se aproximar dos seus consumidores. Esta também era a idéia da Nestlé na Austrália…Para inaugurar a área  Instagram em sua página de Facebook, a empresa resolveu postar a foto de um mascote, vestido de urso e tocando bateria, utilizando Kit Kat como baquetas e com a absolutamente inovadora legenda “Rufem os tambores…Kit Kat está no Instagram”. O impacto da foto e desta mensagem revolucionária, provavelmente teriam sido nulos, se não fosse por um único motivo: o ursinho, não tinha nada de blaublau ou pimpão, ele estava vestido de maneira similar ao Pedobear.

Pedobear ? O Pedobear, é uma imagem associada a pedofilia e espalhada pela rede como isca para atrair crianças vulneráveis. Este ícone já tem sido perseguido em vários cantos do mundo e por isto não irei reproduzí-lo aqui. Os muito interessados em ver o urso em questão, por favor recorram ao Google por conta própria…Kit Kat, chocolate para crianças, em sua página oficial, fazendo menção a um ursinho bem pouco ingênuo….Não existe combinação pior. Restou a Nestlé retirar a foto, pedir desculpas e indiretamente reconhecer que há muito para aprender antes de se aventurar na Internet.

Mezza bocca

Se “Para Roma com amor” foi o melhor presente que Woody Allen conseguiu preparar para a cidade, Roma deve estar bem desconfiada. Deve estar pensando o que Barcelona e Paris fizeram para merecer dedicatórias e obras tão melhores. “Vicky Cristina Barcelona” e “Meia noite em Paris” são significativamente superiores a “Para Roma com Amor”, último filme de Woody Allen. . Diz o dito popular que quem tem boca vai a Roma.  No caso, Woody Allen necessitou só  de meia boca e um grande bolso, para filmar por lá e ganhar incentivos e alguns milhares de euros. Filme que é bom, ficou devendo…

O filme conta quatro histórias que  são independentes entre si que se passam em tempos diferentes. A única coisa comum entre elas é que são ambientadas em Roma.  O núcleo “cantando no chuveiro” , trata de um casal americano que vai a Roma para conhecer a família do noivo de sua filha e se envolve na producão de óperas . O segundo núcleo, o “alter ago”, retrata um arquiteto americano (Alec Baldwin) em férias na Itália  e que se projeta na figura de estudante que está vivendo na cidade , se transformando em uma espécie de grilo falante, voz da consciência. Há também a célula “Jeca Tatu” com dois  recém-casados provincianos que se perdem pelas ruas da cidade em que se salva a versão Piriguete italiana de Penélope Cruz.A última trama poderia ser definida como “esqueci minha Ritalina” ou “tributo ao BBB” e conta a história de Leopoldo (Roberto Benigni, tão afetado como quando apareceu na cerimônia do Oscar) um homem comum que é transformado em celebridade pela mídia.

Nada no filme é original, e “Para Roma com amor” acumula um monte de estereótipos e poucas surpresas. Você tem certeza que já viu tudo aquilo e fica esperando um gracejo, ou algo inovador que acaba não aparecendo. Roteiro bobo, piadas idem. Confesso que saí do cinema sem sequer ter aquela sensação de querer aprender italiano e comer macarrão…Até as imagens da cidade, tão espetaculares em “Vicky” e “Meia noite” e que se transformaram em cartões postais de Barcelona e Paris, faltaram um pouco neste filme. Roma aparece, bonita mas discreta, sem brilho. Woody não deve ter gostado de algum polpettone do passado e retribuiu com um  tributo a Roma que pode facilmente ser classificado como “mezza bocca”.

Pele e alma

Você entrega o recibo de sua consulta médica para que a sua secretária peça o reembolso ao plano de saúde. Ela te diz:  claro, vou fazer. Em seguida te olha e dá uma risadinha…Não, o recibo do médico em questão não é de um urologista. É uma nota de prestação de serviços de um dermatologista. A partir de então ela passa a te olhar procurando sinais de enchimento de Botox em seus lábios, começa a imaginar que em vários lugares do seu corpo existam implantes de fios de ouro e passa a duvidar que os seus poucos cabelos ainda são naturais. O pior é o pensamento disfarçado de que o chefe dela dorme com uma máscara de creme de aveia na face com rodelas de pepino para proteger os olhos. Aquela nota fiscal automaticamente determinou a sua condenação ao papel de um metrosexual do mundo corporativo…um Cristiano Ronaldo que usa laptop e faz reuniões. Certamente sequer passou pela cabeça de sua secretária que a visita ao médico poderia estar relacionada a uma verruga, uma pinta, micose ou coisa do gênero. Começo a pensar  no meu médico…Ele faz parte de um grupo de dermatos que passou anos estudando, se especializou, tratou de queimados, viu perebas horríveis e se orgulha em explicar as diferenças entre dermatites de contato e seborreica.

Agora, em função do trabalho de vários de seus colegas, dermatos quase deixaram de ser vistos como médicos e  tem um perfil mais identificado com esteticistas ou hair stylists (o termo cabelereiro anda caindo em desuso), que vivem exibindo os seus pacientes e os extreme makeovers que promovem nas revistas de celebridades. Dizem que para a estética não há crise e talvez seja esta a razão desta mudança mas se eu fosse um dermato de verdade, médico de essência, preocupado com a saúde do paciente e não apenas em satisfazer as senhoras que querem estar bonitas nas festas  eu definitivamente me auto-proclamaria “perebólogo”…Os perebólogos deveriam fundar uma nova especialidade médica, dissociada dos dermatos e que refletisse que são médicos de fato, de pele e alma. Seria bom para eles e também ajudaria executivos desamparados quando apresentam os recibos no escritório…

Bebê a bordo

Nada como um agradável voo de algumas horas com uma criancinha se esgoelando para despertar a insatisfação dos demais passageiros. Todos  discretamente lançam olhares fuzilantes para a mãe do rebento. Por vezes além do choro, você recebe de brinde alguns pontapés no seu assento ou um puxão de cabelos vindo do banco de trás.

A doce vingança dos executivos…

Li que a Malaysian Airlines, atendendo a pesquisas com seus “frequent flyers”‘ em sua maioria executivos, resolveu criar zonas child free a bordo de suas aeronaves. Em seus aviões que possuem dois andares, o andar superior agora tem acesso limitado a passageiros maiores de doze anos. Ou seja,  mammys e suas proles se quiserem viajar, tem que ir de classe econômica no andar de baixo do avião. A United Airlines também parece que cansou das traquinagens dos pequenos infantes e acabou com o privilégio de acesso prioritário para famílias  com crianças. Conseguiu gerar um abaixo-assinado de protesto de mães indignadas que colheu 30 mil assinaturas pedindo a reversão da medida. Os sisudos executivos, que sustentam o dia dia das companhias aéreas, estão derrotando as crianças, que continuarão voando e chorando mas em áreas limitadas dos aviões.

Portas da esperança

A tecnologia deveria servir para melhorar e simplificar a vida das pessoas. Quem já ficou hospedado em algum hotel por aí certamente já passou pela desagradável sensação de ao tentar abrir a porta de seu quarto com a sua “chave-cartão” se deparar com o nada…Nada acontece ! Você inverte a chave, passa em outra direção, torce pela luz verde e depois se conforma que a sua sina será retornar a recepção para um amável debate com o pessoal do front desk. Você argumenta que sua chave não está funcionando e necessita de uma nova…Te olham e ao invés de pedirem desculpas pelo incômodo, ainda te dão um sermão, acusando você de haver deixado a chave no bolso, próxima de um celular ou de cartões de crédito. Onde queriam que eu guardasse a chave ? Imagino que eu mesmo saiba a resposta…Isto quando não te pedem documentos (que estão dentro do seu quarto) para te entregar uma nova cópia .Sempre que me perguntam no momento do check-in quantas cópias da chave desejo eu respondo quatro. Vejo o sorriso de canto do recepcionista , concluindo que o propósito do pedido é liberar acesso a múltiplos participantes de uma animada festinha privê, sem imaginar que quero apenas fugir da tal “desmagnetização”. É incrível mas a frequência com que o tal fenômeno acontece é gigante (ou Murphy está me escolhendo como vítima preferencial… ) me fazendo ter saudades da boa e velha chave de metal. Para ter acesso aos quartos de hotel do mundo, primeiro é preciso abrir as “portas da esperança” . Será que é tão complicado resolver isto ?

Aprendizado na neve

Uma das belezas da vida é a capacidade de se poder continuar aprendendo independentemente da idade. Esta semana lá fui eu para o desafio de tentar desenvolver minhas habilidades para conseguir  esquiar na neve. Se colocar no papel de ignorante não é das coisas mais fáceis de se fazer (ao menos para mim..),requer uma boa dose de humildade e um exercício para deixar a vaidade de lado, ainda mais quando vários dos seus colegas de “escola”  tem entre 3 e 5 anos de idade.É uma sensação um tanto estranha…você  tentando frear colocando os seus skis em uma bizarra posição de pizza e  sendo ultrapassado por crianças recém saídas das fraldas e que ainda fazem questão de passar ao seu lado descendo de costas e sorrindo. O mico se intensifica com o instrutor pedindo para fazer exercícios de equilíbrio que você não conseguiria fazer nem parado, no plano e sem nada nos pés, que dirá na descida e com skis nos pés…Você tem a impressão que a estação de ski inteira está se divertindo com os seus incríveis tombos desengonçados, que te deixam em posições dignas de um kama sutra, porém gelado e sem parceira. A perseverança vence e aos poucos você vai relaxando, se abrindo para a beleza da natureza, ignorando os outros e se realizando com as pequenas conquistas como não cair  na saída do teleférico, conseguir descer uma montanha de cima a baixo e ver que você não evolui sozinho: os seus filhos que alguns dias atrás nunca haviam visto neve, agora parece que nasceram em alguma província da Suiça. O prazer não vem do grau de dificuldade da pista e sim de conseguir superar os seus limites, aprender, continuar evoluindo e sair com a certeza que a próxima vez será ainda melhor. É duro mas realmente não existe aprendizado sem tombos.

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