Arigato,Sayonara

Existem viagens que são marcantes pela beleza das praias, das montanhas. Existem outras que te marcam pela cultura, pela gastronomia. Existem os inesquecíveis encontros com as civilizações antigas ou com os prazeres do desenvolvimento e das compras. O Japão conseguiu combinar um pouco de cada um destes elementos: a simetria do monte Fuji, os templos de Kyoto, a descoberta da dimensão da culinária japonesa, a modernidade de Tokyo, o trem bala, o sumô, os samurais, as gueixas…

Mas a verdadeira marca desta viagem ao Japão é o encontro com o povo japonês. A simpatia, a delicadeza e o respeito com que você é tratado, chegam a ser desconcertantes. Você sai do Japão completamente desarmado e acreditando que o mundo realmente poderia ser bem melhor. É necessário passar por uma zona de descompressão para voltar para casa. Filas não existem para serem furadas, privacidade não é sinônimo de chatice, servir bem o cliente não é uma questão de gorjetas, segurança não é sinônimo de carro blindado e higiene e limpeza não são limitados aos hospitais. Claro que esta é uma visão de turista depois de vinte dias mas é a mesma que me permite comparar com outros lugares em que também estive a turismo.

Encontrei em uma mesma viagem o lado cosmopolita de Nova York e Londres. A eficiência da Alemanha e da Suiça. A fascinação das descobertas da Ásia e o acolhimento dos latinos. Não tenho dúvidas em dizer que tudo o que uma viagem ao Japão tem de complexa em termos de distância e adaptação a um fuso de onze horas, ela te traz de volta com muitos juros em termos de experiência, cultura e conhecimento. Foi fantástico e tudo isto com o Corinthians de bônus… Arigatô, Sayonara

Por água abaixo

Vim ao Japão esperando encontrar privadas “Toto” em todos os banheiros que fosse frequentar. Para quem nunca ouviu falar ou nunca experimentou uma Toto, posso assegurar que existe uma vida antes e outra depois da Toto. A Toto possui um painel de controle que permite a você além de dar a descarga, regular a temperatura do seu assento e definir a intensidade e a direção do jato d’água que fará a sua limpeza íntima. Os modelos top de linha tem um sensor e a tampa se levanta automaticamente quando você chega perto. Enfim, só falta “lavar e passar”, o resto a Toto faz.

Em vários lugares porém, sobretudo fora dos hotéis, além da Toto não estar presente, não existem os banheiros em estilo ocidental, que te dão direito a assumir o trono. Nos banheiros públicos, predominam os vasos sanitários no chão, em que o “apertado” deve assumir a posição de cócoras. Se a região for mais turística, há um pequeno manual de procedimentos fixado na porta. Contrastes entre modernidade e tradição, característicos do Japão.

Natal de verdade

Já é noite de natal aqui no Japão. A influência ocidental até aparece em uma ou outra árvore decorada espalhada pelas cidades ou por alguns poucos vestidos de papai noel de olhos puxados. Pára por aí. Não é feriado. Não há correrias aos shoppings e a vida segue. Para nós no entanto, a noite é especial e diferente. Às sete horas tivemos a nossa ceia. Esqueçam peru, chester e tender. Vestidos de quimono (vou levar de recordação da noite de natal e para uma possível festa a fantasia) tivemos uma ceia de múltiplos pratos: arroz com caranguejo e gengibre, sashimi de lula, sopa de cogumelos com tofu, raiz de flor de lótus com mostarda e brinde a base de saque. Nada de camiseta e ventilador ligado na sala…agora lá fora está zero graus. A comida e a temperatura não importam tanto e não são elas que fazem um natal de verdade. O que importa é o espírito e quem está ao seu lado. As duas coisas estão ótimas. Feliz natal !メリークリスマス

Olhe o passarinho !

Os japoneses são reconhecidos mundialmente como os maiores tiradores de fotos da face da terra. Não há nada que escape as suas lentes super poderosas e cameras moderníssimas. De fato, aqui você vê todo mundo carregando a sua própria camera e tirando milhares de fotos. Apenas os mais jovens fotografam com seus celulares.

O fato de terem super equipamentos, me fez imaginar que por consequência, seriam também ótimos fotógrafos. Quando eles observam que você está com o braço estendido, tentando tirar uma “auto-foto”, vêm solícitos se oferecer para tirar uma foto com a sua máquina. Você dá uma medida,vê uma Nikon ou Canon de alguns milhares de dólares no pescoço da criatura e confia cegamente. Já imagina aquela foto decorando o porta-retrato da sala ou sendo o seu novo perfil do Facebook. Gentis, após tirarem a foto ainda pedem para você conferir e ver se ficou bom…check, check dizem sorrindo. Aí vem a desgraça: pés cortados, intrusos, placas de sinalização, cercas, fotos tremidas e sem foco. Um pouco de tudo, menos a foto sonhada…Coloquei algumas imagens ilustrativas que comprovam que mesmo com modelos, cenários lindos e muita boa vontade, só a tecnologia não resolve…

Menu confiança

Cardápios tem sido uma coisa menos complexa do que eu imaginava aqui no Japão. Não são todos os restaurantes que possuem versão em inglês mas todos tem uma vitrine que coloca em exposição as réplicas dos pratos oferecidos. Não sei que material eles usam nas réplicas mas é uma arte ! Certamente devem existir milhares de “maqueteiros de comida” e do jeito que as coisas são por aqui, devem levar uns quinze anos de estudos até serem capacitados. O peixe parece que tem mesmo escamas, o tempurá fica com casquinha crocante e até nos restaurantes que servem comida ocidental você encontra réplicas de pizza com borda crocante e queijo derretendo. O fato de ver os pratos porém, não significa que você tenha a menor idéia do que é aquilo, o que comprova que o cardápio é de fato irrelevante…Sopas misteriosas, vegetais que você nunca viu, uma quantidade de peixes e frutos do mar que nem o Jacques Costeau deve ter encontrado…o cardápio é mesmo um detalhe. Geralmente você escolhe o que te parece mais apetitoso e manda vir, por mímica mesmo. É um “menu confiança” atrás do outro.

Manual do sushi

Comer aqui no Japão tem os seus desafios. Esqueça algumas das idéias que você tem sobre restaurante japonês com esteira rodando, shimeji na manteiga , duplinhas de Luizinho com cream cheese e banana caramelada com sorvete de creme. Algumas constatações: não pense que você irá encontrar sushi em cada esquina…Cada restaurante é especializado em um tipo de comida. Tem o restaurante de tempurá, de yakisoba , de noodles e assim por diante. Você não encontra sushi no restaurante de noodles, assim como não come feijoada na churrascaria. A lógica é a mesma, embora eu nunca tivesse pensado nisto.

Esqueça a sua preferência pelo salmão. Salmão por aqui está para o sushi assim como o acém está para os apreciadores de carne no Brasil…Ou seja: é tratado como ingrediente de terceira categoria, inexistente nos restaurantes. O rei dos mares e das mesas por aqui é mesmo o atum que dependendo do seu tamanho chega a ser vendido por vários milhares de dólares no mercado de Tokyo. Pedir salmão é equivalente a comer pizza de frango com catupiry. É uma espécie de crime contra o patrimònio…

Nem pense em mergulhos acrobáticos de seu sushi em piscinas de shoyu. Esqueça também pedir mais raiz forte para incrementar o sabor de seu sushi. Ela já foi colocada na preparação do prato e acredite: o sushiman entende disto.. A mensagem é que o sabor do peixe deva prevalecer e ele deve ser a estrela da festa, não o molho de soja ou outros ingredientes criativos como maionese ou manga. Um último comentário: peça um barco cheio de sushi e sashimi, o que nós chamamos de “combinado” e se prepare para afundar a sua conta bancária. O barquinho será o Titanic de seu bolso. O sushi custa caro…você sentirá saudades de conseguir pagar a conta de sua comida japonesa com o ticket refeição…

Shhhhh!

Esqueça aquela idéia que você tem do japonês da barraca da feira gritando para enaltecer as características de seus produtos e chamando a freguesia ou as gargalhadas sonoras da Sabrina Sato…Estes já foram tropicalizados.

Um trio elétrico em Tokyo é tão fora de contexto que nem os brasileiros tiveram esta idéia. O silêncio está ligado ao respeito da privacidade do outro e isto é um fundamento da cultura japonesa. O ambiente é de paz para os ouvidos…

Sintam-se em casa

92C9E03758C5443BA36755D70F936A08Todo mundo já leu sobre as defesas do Cássio, sobre o gol do Guerrero, sobre a multidão que se encontrava em cada esquina do Japão com o mesmo mantra de “Vai Corinthians”…Antes e depois do jogo, o Facebook foi inundado com comentários eufóricos dos “prós”, com os comentários depreciativos dos “contra”, como sempre ocorre quando há a rivalidade. A rivalidade estimula, provoca, machuca e diverte.Fiquei pensando que historicamente os rivais do Corinthians pejorativamente sempre disseram se tratar de um time sem expressão internacional, que só vencia quando jogava em casa, que faltava passaporte…Ao assistir aos dois jogos aqui no Japão, fui obrigado a concordar com eles, afinal ganhamos jogando em casa !  É verdade que o time de azul não era o Cruzeiro nem o São Caetano, que a estação do Metrô não era a Clínicas, que a PM não se vestia de cinza e tinha olho puxado, que a venda de cerveja no estádio era permitida e que no lugar do pernil tinha sushi.  Estava um pouco mais frio que o habitual, talvez uma massa de ar polar vinda da Argentina, o que forçava alguns torcedores a vestirem gorros e cachecóis, mas tudo continuava preto e branco. A Gaviões estava lá, era proibido gritar gol antes da hora, ninguém assistiu o jogo sentado…Estas são as regras da nossa casa.

Como sempre acontece com os anfitriões, disseram para que os convidados se sentissem em casa. Fizemos isto. Abrimos a geladeira e  fizemos xixi de porta aberta. A casa foi nossa como nunca tinha sido. Acho que os nossos rivais ficaram ainda mais convictos de nossa fama, o que eles aprenderam de vez é que a dimensão da nossa casa não é a que eles imaginavam. Somos latifundiários, prontos para seguir conquistando. Não falamos do vizinho, do bairro, da cidade ou do país. Falamos do mundo e por isto seremos sempre um time caseiro. Jogamos em casa em qualquer lugar, no Pacaembu, em La Bombonera, no Itaquerão ou em Yokohama. Pensem se querem mesmo nos convidar…Nós acabaremos sendo os donos da casa.

Cadê o cesto de lixo ?

Há um ditado popular que diz que apesar de existirem, ninguém nunca viu uma cabeça de bacalhau ou o cabelo de uma freira . Depois destes dias aqui no Japão, cheguei a conclusão que há um novo item a ser incluído nesta lista : cestos de lixo nas ruas de Tokyo. Devem existir mas você não as encontra em nenhum lugar…e por mais paradoxal que possa parecer, a cidade é absolutamente limpa. Na verdade não se vê ninguém comendo ou bebendo nada nas ruas, apesar de existirem milhares de vending machines e fast foods por todos os lados.

Isto é visto como falta de educação. Comer é um ritual e por maior que seja a sua pressa (algo que aqui se limita ao trem bala…) , deve ser feito sentado e sem perturbar os outros. A única exceção vem dos adolescentes (sempre eles), que comem crepes em forma de cone pelas ruas. Como lixo não se gera apenas com comida mas também com a tonelada de papéis que nos entregam em todo canto, passamos o dia carregando um saquinho, esperando o retorno para o hotel para nos livrarmos das coisas. Civilizado mas esquisito…

Achados e perdidos

Compartilho do leve defeito que dez entre dez homens tem, de confiar em seu senso de localização e se recusar a pedir informações sobre como chegar a um destino. O GPS foi uma das melhores invenções da humanidade para ajudar o homem desorientado (perdido jamais !) e poupá-lo dos discursos de mulheres que não compreendem a dor masculina de ter que perguntar algo. Esqueça paradas em postos de gasolina para questionar o frentista…O homem de verdade sabe que alcançará o seu destino, por mais que isto possa demorar um pouquinho mais…

Acabei de descobrir que o povo japonês também cumpre com louvor o papel de auxílio ao homem desamparado. Imerso entre mapas repletos de ideogramas, por vezes é fácil se confundir por aqui. Basta você abrir um guia ou ficar com cara de “lost” que surge do nada algum cidadão pronto a te ajudar. Ele te pergunta o que você precisa ! Você homem, não precisa se violentar e ir até alguém ! O japonês vem até você e não só te indica a direção a seguir ( isto não quer dizer que você entenda…), como desvia da rota e te acompanha até o seu destino. A amabilidade e a educação do povo são tão grandes que fazem com que você se esqueça dos problemas de comunicação e se esforce para compreendê-los para retribuir um pouco da simpatia que está recebendo. Se perder por Tokyo e interagir com o povo, tem sido um dos grandes achados da viagem.

 

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