Dizem que avós, possuem o benefício de poder “deseducar” os seus netos e mais do que tudo, fazer isto sem culpa e sem responsabilidade. A parte “chata” da vida cabe aos pais…A sabedoria popular diz que pais educam, avós estragam. E que prazer em estragar ! Casa dos avós deveria ser sinônimo de acesso ao proibido: brincadeiras, bagunça, dieta turbinada por calorias de bolos,chocolates e refrigerantes.
De repente, você pequenininho, encontra um avô diferente de tudo isto. A irresponsabilidade dele vem sob a liberdade dada a uma criança de ouvir papos filosóficos ou políticos, observar gargalhadas infinitas com piadas de humor negro e interagir com os cachorros batizados com nome de bebidas destiladas. Nada de Bob ou Rex, lá era Chopp e Schnapps…
No dia do seu aniversário ele te dá um envelope de banco reutilizado (não era época da consciência ecológica e da reciclagem, era por economia mesmo) e dentro você encontra ações preferenciais ao portador de uma indústria de mecânica pesada. Um passaporte de acesso ao mundo capitalista. Você se imagina como um tio Patinhas de calças curtas…Os meus amigos recebendo carrinhos e bolas e eu com ações PP cujo valor, segundo o meu avô,eu deveria acompanhar na Gazeta Mercantil, o único jornal que não tinha fotos e sim ilustrações feitas em bico de pena. Que coisa mais estranha.
Já era estranho o seu nome…Um nome dinamarquês que ninguém sabia ao certo como pronunciar. Era estranho ter crescido em um engenho de açucar em Piracicaba…
O tempo vai passando e de repente a estranheza começa dar lugar à uma certa fascinação. Você percebe que aquele não era um avô para menores de idade. O grande presente que ele tinha para te dar não era diversão ou brincadeiras, ou ao menos aquelas que você imaginava quando pequeno. O acesso ao proibido que ele reservava era poder compartilhar de sua inteligência aguda e de sua sede de saber. Era brincar e divertir o seu cérebro… Seria o meu avô uma versão analógica do Google ? Qual a origem do nome do município de Barueri ? E qual tinha sido a rota migratória da população do Alaska ? Por onde teria navegado o capitão Cook ? A senha para entender o meu avô chamou-se tempo…Tempo para para uma criança perceber que ele não estava declamando monólogos mas sim, te convidando para diálogos. E que levava tempo para você poder participar. O tempo ontem deu uma parada. Os diálogos mesmo que imaginários, continuarão para sempre.
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Diálogos no tempo
Doces férias de verão
Ah férias…Poder viajar com as crianças para descansar e aproveitar o verão. Que tal um resort ? Um parque aquático capaz de fazer inveja ao Wet’n Wild, comida infinita padrão cinco estrelas, bangalôs privativos de frente para o mar e de brinde, monitores com certificado ISO 9000, preparados para dominar os seus filhos em qualquer situação. O que mais se pode querer ?
Malas prontas. É hora de aproveitar. Chegamos com fome. Nada melhor do que nos deleitarmos com o primeiro banquete. Fusilli, brachiola, spaghetti e baldes de molho à bolognesa. Achei esquisito. Esta não é minha definição de banquete e nenhum imperador romano se empanturrava de pasta…Estava tudo com muito mais cara de Festa de San Genaro do que de refeição do grupo Fasano.
Eu penso comigo mesmo: deixe para lá… esqueça o seu preconceito com comida italiana, afinal você não saiu de férias para comer. O negócio é usufruir da praia maravilhosa. Areia fina, mar azul…Mas onde sentar ? Vejo uma enorme variedade de itens sendo utilizada para reservar cadeiras…Livros, protetores solares, camisetas, toalhas, necessaires, sandálias e patinhos de borracha. Só faltou um escafandro. E cadeira livre que é bom, nada ? Parecia que tinha ocorrido uma invasão de dar inveja ao MST, com minifúndios arenosos, que apesar de tudo permaneciam improdutivos. Ah…é porque a família chegou tarde…Amanhã me vingarei de todos, serei uma espécie de Hezbollah do resort, disposto a qualquer coisa para conseguir o nosso lugar ao sol.
Coloco o despertador para às 6:00 AM. Um horário bastante nobre para se acordar em férias. Não importa…a minha missão é fincar minha bandeira naquele território hostil. Lá vou eu…Percebo que a moda deve ser tomar banho de lua, porque quando chego, encontro o mesmo quadro da tarde anterior. Cadeiras de frente para o mar absolutamente tomadas ao nascer do sol…Me resta a conquista de cadeiras longínquas, quase no manguezal e sob risco de ter o pé beliscado por caranguejos. Reflito e pondero. Ok, melhor do que nada… Espaço conquistado ! A esposa logicamente reclama mas o meu argumento que é melhor o manguezal do que a trilha sonora da piscina, turbinada pelos antigos sucessos do Compadre Washington, a convence. Flash back de Axé é para poucos e a visão de senhoras voluptuosas praticando hidroginástica é infinitamente pior do que ser perseguido por caranguejos furiosos.
Finalmente instalados ! Vamos aproveitar o dia ! Sol brilhando, calor e a criançada livre para fazer o que quiser. E o que eles querem fazer ? Nada em que você não esteja presente. Você explica que o entretenimento está a cargo dos monitores uniformizados e remunerados e que neste momento você não está disposto a ter esta função. A argumentação desta vez é fraca e derrotado, você começa a sua labuta de construção de um castelo de Versailles de areia, seguida da agradável prática de futevolêi a 40 graus. Você ainda se questiona porque só os seus filhos não se divertem com os tiozinhos do hotel. Caso perdido…a culpa é sua de qualquer maneira, afinal se eles não brincam é porque você falhou na educação. Preciso de férias destas férias…
Família Mexicana
Este final de semana fui assistir a “Álbum de Família”, novo filme de Meryl Streep e Julia Roberts. Saí do cinema com a certeza que tenho a família mais estruturada do mundo e que as briguinhas em época de natal são bem café com leite…
O filme conta a história de três irmãs que voltam para casa para cuidar da mãe, após o desaparecimento do pai delas. O “get together” da turma é bem pesado, com acusações, conflitos e segredos que vão sendo revelados. Sobra para todo mundo…a lavanderia de insultos não poupa nenhum personagem e só quem é aparentemente normal, é a empregada doméstica … Embora a atuação de Meryl Streep no papel de matriarca viciada e doente, faça dela uma candidata natural a ganhar o seu bilionésimo Oscar, achei que o filme não conecta com o espectador. Ele não vê naquela família, a sua família.
Tudo é tão hiperbólico e “radioativo” que não existe a empatia. Todo mundo tem um primo bobo ou uma tia chata, mas o primo bobo do filme é tão booooobo que ele deixa de servir como referência e a trama em torno da família vira uma pura obra de ficção. Fica a impressão que você está assistindo a uma novela em que os roteiristas tem como função principal surpreender o público com pacotinhos de novidades a cada cinco minutos para conseguir manter a sua atenção e por consequência, a audiência. …Reunir em uma mesma família suicídio, traição, pedofilia, doença, violência e concentrar isto em duas horas foi um pouco demais para mim. Enfim, boa sorte para a Meryl mas o filme dela não me representa…Virou uma família esteriotipada, estilo “novela mexicana”. Para completar, só faltou a Chispita baixar no encontro deste clã de Oklahoma….
Autonomia movida a pilha
Hoje é dia das crianças. Decidi que daria um presente especial para o meu filho mais velho.
Algo mais marcante do que um jogo de videogame ou do que uma camisa de time de futebol…Um presente que não se vende na Ri-Happy, na PB Kids ou na Bayard e que também não pode ser trocado.
Resolvi dar uma dose de autonomia e auto-confiança…
– Vá sozinho até a padaria comprar as pilhas que está precisando.
Ele ficou desconfiado com a oferta…Pensou em recusar, dizer que as pilhas não eram mais necessárias.
– Sozinho ?!
– É. Se quiser as pilhas, você terá que ir lá comprá-las.
– Posso levar o celular ?
– Sim. Para que ?
– Se eu me perder eu te ligo.
– Você não irá se perder mas sim, pode.
– Ok. Vou me arrumar.
– Então vá…
– Pai, dei uma olhada no Google Maps e lá fala que são 3 minutos até a padaria. Vou seguir a orientação do Google.
– Você não precisa. Dobre a esquina e siga e em frente. A padaria fica na frente da banca. Cuidado ao atravessar a rua.
Lá foi ele…
Pela janela eu observei o início de sua expedição. Passos rápidos, um pouco inseguros mas na direção certa. A direção do crescimento, da independência, da vida.
5 minutos depois ele estava de volta.
O troféu de seu dia das crianças estava em suas mãos: 2 pilhas Duracell.
Este presente vai durar para sempre…bem mais do que a carga das pilhas, que acabarão em breve.
Tenho certeza que eu não poderia ter escolhido presente melhor.
Ring Ring
Este final de semana assisti “Bling Ring”, último filme de Sophia Coppola. “Bling Ring” conta a história real de um grupo de adolescentes bem nascidos de Los Angeles, que resolve invadir casas de famosos que estão fora da cidade para surrupiar os seus pertences. Mais do que roubar vestidos e bolsas de Paris HIlton, Megan Fox ou Lindsay Lohan, eles querem se apoderar de seu estilo de vida. A brincadeira lhes rendeu US$ 3 mi. O filme não faz julgamentos, apenas mostra como é sua rotina de baladas, drogas e futilidade subsidiada pelos furtos. Por isto o filme incomoda…todos estão assaltando casas pois estão com fome, só que a fome é de Channel, Louboutin e Champagne…A turminha quer apenas viver como vivem os seus ídolos e mais do que tudo, se exibir para os colegas, compartilhando as suas peripécias em todas as redes sociais. Assistir ao filme sem pertencer a esta geração, é garantia de se sentir um velho. Os valores do grupo são incompreensíveis, a irresponsabilidade e a inconsequência da gang são irritantes e a obsessão por um jeito “VIP” de se viver, cercado por “grifes e points” parece uma caricatura (mas não é). O pior de tudo é a sensação de que o crime compensou…Um tempinho de cadeia que alavancou a exposição na mídia, o número de amigos no Facebook e a admiração dos amigos.
Você sai do cinema como se “Bling Ring” disparasse um chamado na sua consciência, uma espécie de “Ring Ring” …o filme gera uma angústia para você reforçar não só os cadeados de sua casa para que os adolescentes não a invadam (embora eles não pareçam tentados a fazer isto, afinal você possivelmente não tem pista de dança no porão), mas os cadeados da vida, para que os seus filhos não saiam…Minha conclusão é que para qualquer pai, seria melhor se o filme não fosse inspirado em uma história real.
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Lições
Aprendi que conhecimento e cultura são as únicas coisas que ninguém te tira, mesmo sob tortura.
Aprendi que é possível capotar uma Kombi andando de marcha ré e que é impossível cozinhar macarrão com água do mar.
Não aprendi serviços domésticos de hidráulica, elétrica ou marcenaria. O “Marido de Aluguel” existe para isto.
Aprendi que inteligência e caráter não necessariamente andam juntos com roupas combinadas ou de moda.
Aprendi que construir ou reformar uma casa pode te dar prazer, desde que o empreiteiro seja bom e seus recursos e seu tempo sejam infinitos.
Não aprendi a passar as férias de inverno congelando na única casa sem aquecimento de toda a serra da Mantiqueira e encarar isto como um ato estóico.
Aprendi que as linhas da arquitetura devem ser sempre retas, mesmo que a vida seja cheia de curvas.
Não aprendi o que acontece com o corpo quando se misturam todas as bebidas destiladas, fermentadas, gaseificadas ou pasteurizadas que possam ser ingeridas.
Aprendi que a vida dá voltas mas que o tempo não volta.
Aprendi que primeiro vem o quadro, depois se encontra a parede onde pendurá-lo.
Não aprendi porque ter um carro coreano quando se pode ter um carro alemão.
Aprendi o valor da família mesmo sem ter aprendido a importância de ter uma tia avó que foi tataraneta da prima em terceiro grau da marquesa de Santos.
Aprendi que por vezes é mais fácil escrever do que falar, mesmo sabendo que o que está escrito é o que deveria ter sido falado.
Não aprendi a admirar beleza de uma usina termoelétrica.
Aprendi que herança se mede em educação e princípios e não em reais.
Aprendi que a habilidade para dançar e alongar o corpo tem um alto componente genético.
Aprendi que julgar é mais fácil do que fazer.
Aprendi que ser pai é bom e que o bom de ser pai é continuar aprendendo.
Lembrança de férias
Uma viagem de férias com os filhos propicia lembranças para a vida inteira. Os lugares visitados, as risadas, as brigas…As histórias serão recontadas e aumentadas por anos e anos, em todos os reencontros familiares. As fotos serão revistas, os aromas e os sons voltarão. As lembranças trarão estas férias de volta. Mas existem também as lembranças do presente…As férias te propiciam o ritmo certo para lembrá-lo que as crianças já não são mais tão pequenas assim. De perceber assustado que estão crescendo, não apenas fisicamente mas em suas vontades próprias , desejos e opiniões. A correria do dia a dia por vezes disfarça tudo isto. Você precisa da pausa das férias para confirmar que as havaianas já são mesmo tamanho 36, que um pacote de bolacha pode ser devorado em segundos e que a sua trilha sonora já não é mais soberana no carro. As férias servem não apenas para serem relembradas, servem para lembrá-lo que o tempo não volta; servem para descansar o corpo e cutucar a mente.
Boletim
-Filho, como será o seu boletim ?
-Pai, acho que tirarei A de inglês.
-Muito bom ! E no resto das matérias ?
-B de ciências e de história.
-Ah. Legal. Matemática ? Português ??
-Imagino que C
-Ok, precisa dar uma caprichada na interpretação de texto e nas contas de divisão.
-E você,filha ?
-Não sei. Em uma prova tirei “A+,Parabéns”, depois em outra “A,que beleza” e na última “A,Excelente”
O irmão resolve contribuir…
-Pai, ela vai tirar tudo A.
-Tudo, A ?!Parabéns. Ela deve estar orgulhosa.
Nova contribuição do irmão.
-Pai, o que ela está fazendo é muito errado. Tirando tudo A, ela deixa a professora sem ter o que fazer.
-Como assim ?
-Sim, a professora ficaria muito chateada se todos os alunos tirassem sempre tudo A. Ela está lá para ajudar os alunos a aprender e poder mostrar que ela sabe mais. Se todas as provas tiverem com tudo certo, a professora ficará triste. Por isto a professora gosta de mim, porque ela me corrige e eu aprendo. Não sei se tirando tudo A, a professora vai gostar de minha irmã.
-Ah, entendi…
Piu-piu sem Frajola
Saída para o feriado, chuva, tédio. Dia das crianças…Hora de soltamos o playlist infantil para distrair a turma. A primeira conclusão é de que a trilha precisa ser rapidamente atualizada pois algumas músicas já estão completamente inadequadas para a faixa etária atual e para os interesses dominantes. Começa a tocar “Fico assim sem você ” versão da Adriana, que era Calcanhoto mas para que para tentar vender mais discos, virou Partimpim.
“Avião sem asa,
Fogueira sem brasa,
Sou eu assim, sem você
Futebol sem bola,
Piu-piu sem Frajola,
Sou eu assim, sem você…”
Interrupção súbita por parte de uma das crianças:
– Como assim Piu-Piu sem Frajola ?
Outro rebate: – Frajola, o gato, aquele que vive brigando com o Piu-Piu. Eles se detestam mas não podem viver separados…
– Não, não é sobre isto que estou falando. Ela tem autorização da Looney Tunes para colocar o Piu-Piu e o Frajola na música ? Ela não pode fazer isto…
Algo me diz que meus filhos e os amigos andaram assistindo as sessões de julgamento do Mensalão na TV Justiça ao invés de Cartoon Network e Disney Channel. A polêmica sobre direitos autorais dominou o resto da viagem. No dia das crianças, meus filhos e seus amigos, estavam inconscientemente brincando de advogados e o carro se transformou em um tribunal. O veredicto ? Partimpim foi absolvida em um placar apertado. O derrotado quis levar o caso ao supremo, no caso, “eu”, mas diferente de alguns ministros da suprema corte, achei correto me abster por conflito de interesses.
Falafel

