A distância é maior do que uma ponte aérea

O que você espera quando vai a uma churrascaria ? Comer boa carne, com bom serviço ? Esta sempre foi a minha lógica e parece ser a da maioria das pessoas. Talvez por isto, a churrascaria Fogo de Chão tenha se transformado quase em uma unanimidade entre os carnívoros de São Paulo. Um boi para cada um, no ponto que o cliente desejar e garçons em profusão, orbitando em torno de sua mesa, sempre ágeis e eficientes. A orgia gastronômica não é meu ideal de refeição e é verdade que não precisava do traje de gaúcho dos garçons, afinal o carnaval já acabou e o objetivo de ir lá é comer e não participar de uma festa a fantasia, mas até isto tem seu charme kitsch. Apesar de tudo isto, não dá para discutir a qualidade do restaurante.
Pois bem, ontem fui a um jantar em uma churrascaria no RJ e os locais começaram a discutir entre si sobre qual era a melhor churrascaria da cidade. Havia uns 15 cariocas ao redor de mim e todos votaram no Porcão, apenas com variações sobre qual era a melhor filial: Ipanema, Aterro, Niterói, Barra etc…E mais incrível, todos criticaram bastante a filial carioca do Fogo de Chão, que fica em um lugar espetacular, com vista para a enseada de Botafogo. Sabem quais eram as críticas principais ? Não tem sushi e sashimi e tem pouca variação de carnes não bovinas! Pude entender a mensagem como falta tender com abacaxi, paleta de cordeiro da Nova Zelândia com molho de menta e pintado na brasa levemente puxado em uma redução de maracujás silvestres. Ou seja, tudo o que em SP é qualificado como distração para a degustação da picanha, carne sagrada de uma churrascaria. Vai entender…50 minutos de vôo e consumidores completamente diferentes. Definitivamente há mais do que uma ponte aérea entre SP e RJ. Já havia percebido isto no hábito de se colocar ou não ketchup na pizza, mas sinceramente achava que na avaliação de uma churrascaria a convergência e as preferências seriam maiores.

Orangotangos high-tech

Nos meus tempos de escola fiz várias provas de múltipla escolha em que a existência de alternativas realmente não me ajudava muito. O problema original é que não tinha a menor idéia da resposta e a única coisa que me restava era o famoso “chute”. Várias vezes refleti que um chimpanzé no meu lugar teria um comportamente similar e uma taxa de acerto equivalente a minha. Pois bem, depois de alguns anos eis que me reencontro em uma zona de convergência com os símios. Descobri que a Orangutan Outreach, uma ONG que tem como missão cuidar e proteger os orangotangos, está desenvolvendo um trabalho especial de estimular a interação dos animais com IPads. Os orangotangos desenham e assistem vídeos de seus primos que vivem nas florestas da Indonésia. Você pode contribuir para este trabalho ou com dinheiro ou doando o seu IPad usado (http://www.redapes.org/apps4apes). Com algumas doações a mais e um pouco de prática, em breve certamente eles estarão desafiando as minhas marcas no Angry Birds e no Fruit Ninja.

O céu é a estrela

O Atacama é conhecido por ter o céu mais bonito do mundo. São 300 dias ao ano, em que a ausência completa de nuvens combinada com a altitude, permitem uma observação completa das estrelas, fazendo do local uma meca para astrônomos de todos os cantos e transformando o céu em uma das grandes estrelas da região. Para se ter uma idéia , ali está sendo desenvolvido um projeto chamado Alma, que construirá a maior rede de telescópios do mundo, permitindo que se conheça mais sobre a nossa e outras galáxias.
Depois de algumas noites em que vimos apenas nuvens, finalmente o céu resolveu nos dar uma trégua. Fomos então ao “Star Tour”,famoso na cidade, em que um francês fala sobre o céu e dá a chance aos turistas de observarem estrelas e planetas em dez telescópios que ele tem em sua propriedade. Valeu ter ido…saturno e seus anéis é incrível no telescópio, o céu aberto permitiu ver um monte de estrelas cadentes e sem dúvida lembrar que a imagem das estrelas que você está vendo naquele momento não corresponde ao presente, e sim ao passado, é poético e reflexivo. Uma coisa é verdade porém, quanto mais o guia tentava mostrar com sua incrível ponteira laser, cada uma das constelações (virgem, gêmeos, aquário entre outras),mais eu tinha certeza de que ele havia tomado algum chá alucinógeno. Enxergar leões de cabeça para baixo, patas de touro ou irmãos gêmeos no céu é para poucos. Acho que não sou um deles…Evolui. Estou mais confiante para distinguir o Cruzeiro do Sul do falso Cruzeiro e saber que as três marias são na verdade o cinturão de Orion, mas este é meu limite estelar.

Vapor e lama

Depois de vários dias fechado, o acesso a uma das maiores atrações do Atacama, os geisers do Tatio, havia sido reaberto. Nós (e a Gaviões…) resolvemos ir. O lugar é mesmo incrível , com as fumacinhas e as águas quentes sendo expelidas da terra. Dá para cozinhar um ovo nas piscininhas naturais que estão a uns 4.300 metros de altitude.
Tudo estava ótimo quando no caminho de volta, eis que a van em que estávamos atolou.
Há uma tese que diz que não devemos esperar resultados diferentes se repetimos a maneira como fazemos as coisas.
Ela foi mais uma vez comprovada, quando mais duas vans do nosso hotel atolaram no mesmo lugar ao tentar passar da mesma maneira. Resumo: umas 40 pessoas , de todas as idades e nacionalidades, e que não se conheciam, tentando fazer prevalecer a sua forma de resolver o impasse de ter 3 carros empacados em um atoleiro de 150 metros. Teve o grupo do pânico, talvez inspirado pelos mineiros ou pelos sobreviventes dos Andes, teve a turma do “não é comigo” e me traz uma “cervezita”, tiveram os Hércules que queriam arrancar os carros no braço, surgiram os “engenheiros” que queriam fazer uma estrada paralela. Rolou discussão, briga, solidariedade e diversão. O desfecho ? Fomos resgatados por um carro 4×4 de um hotel concorrente que depois de três horas, conseguiu rebocar os carros.. Como exercício de dinâmica de grupo para recrutamento de trainees teria sido perfeito…Com certeza este dia ficará na lembrança, tanto pelo vapor e pelas águas quentes, como também pela lama.

Quanto vale o show ?

Hora do jantar. Comida ok, vinhos bons, companhia ótima,conversa agradável. De repente chega um grupo de folclore chileno com seus trajes típicos, flautinhas e iniciam o seu show de música e dança andina. Não é possível que eu seja o único turista do mundo que abomine estas coisas. É show de capoeira com roda de berimbau, show de bumba meu boi, show de danças tribais africanas, show de tango, show de dança flamenca, performance de dança do ventre….Enfim, em cada lugar que você vai, te empurram espetáculos para te mostrar o que seria a cultura local. É mais falso que uma nota de três e de típico e de original ,não tem nada. 

Fico muito contrangido pelos artistas que até se esforçam e normalmente tocam em troca da comida do jantar. O pior é quando eles surgem com as fantasias precárias, feitas de materias de segunda categoria e que não são mais usados nem nas peças de fim de ano da escola das crianças. Muito amador. E quando chamam os turistas para se unir ao espetáculo e os transformam em palhaços não remunerados? Gringos rebolando com mulatas, tocando instrumentos, colocando chapéuzinhos com penachos. Vergonha alheia…Adoro conhecer novas culturas mas se for rolar showzinho, por favor me avisem antes ou não me convidem.

O deserto que sempre imaginei

Chegou a hora de superar a decepção dos poucos flamingos estáticos do primeiro dia e irmos em frente. A animação voltou rápido com as caminhadas por paisagens secas e terrosas mas de cores e formas fascinantes . Mas o que simbolizou a retomada da energia foi o encontro com os cactos. Cactos gigantes, com cerca de 4 m de altura e centenas de anos ( o cacto cresce entre 4 a 6 mm ao ano) enfeitam grande parte da paisagem e trazem vida ao deserto. Além de admirá-los pelo seu porte, vem uma satisfação quase infantil, de entrar em um cenário de desenho animado e na representação que eu, como criança, faria de um deserto. Fiquei com a impressão de que encontraria o Pepe Legal ou o Papa Léguas a qualquer instante e que o Coiote passaria correndo por mim.
Os cactos que em ambientes exuberantes significam escassez, aqui trouxeram exatamente a sensação oposta.

93

Sempre que viajo trago junto comigo um pouco da minha avó . O seu físico não deixa mais que ela faça grandes acrobacias e limita os seus deslocamentos pelo mundo. Nada disto porém, jamais foi capaz de tirar a sua grande virtude querer aprender sempre mais. Seus pensamentos e seu entusiasmo com as minhas viagens fazem com que meus olhos e minhas observações sirvam de combustível para a paixão que minha avó tem por novas descobertas. É uma sede que não diminui depois de noventa e poucos anos e que alimenta a sua vida. Me sinto orgulhoso de poder ver, aprender e vivenciar todas estas experiências que as viagens oferecem mas me sinto ainda mais inspirado a fazer tudo isto e na volta poder materializar com fotos e histórias, a viagem imaginária que minha avó está fazendo junto comigo. Ela não precisa vir para cá para saber tudo sobre os meus destinos. Geografia, política, economia…Sei que seus pensamentos lá em São Paulo estão aqui do meu lado, em cada vulcão que vejo, cada duna que escalo  ou em qualquer comida diferente que experimento. É muito bom ter encontrado uma forma de compartilhar estas experiências com ela. Sei que este é o melhor presente de aniversário que posso dar para ela.

Deserto molhado

Tempestade de areia chegando...

A chegada ao deserto do Atacama foi cheia de surpresas.Confesso que nunca olhei as médias pluviométricas por aqui e só me preocupava com as variações de temperatura, afinal este lugar é conhecido por ser o deserto mais seco do mundo. Como o mundo está mudando, o deserto também resolveu mudar. Fiquei sabendo que nas duas últimas semanas choveu mais por aqui do que nos últimos vinte anos. Conclusão: estradas alagadas e região em calamidade pública, com uma série de passeios inacessíveis aos turistas. O que restou no primeiro dia foi sair de carro. Não choveu muito, mas para compensar surgiu uma tempestade de areia que completou o pacote. O destino foi um salar, uma espécie de mar evaporado, para visitar os flamingos da região. Com as chuvas dos últimos dias, até os flamingos fugiram ! Se mudaram para a Bolívia. Da colônia de flamingos original do local e que tem entre oitocentas e mil aves, sobraram umas dez para contar a história e consolar os turistas. De longe, o bicho é bonito, elegante, com sua plumagem rosa. Quando ele voa no entanto, é bem esquisito. Parece um frango depenado.

Flamingos voando, ou seriam frangos ?


Isto foi o que sobrou do dia…saber que o flamingo mede 1,20 m , pesa 1,5 Kg e vive por até 30 anos. Esperava mais do primeiro contato com o deserto (ou ex-deserto).

Peça pelo número

Várias pessoas falam que jamais poderiam ser médicos por lidarem com a morte e verem sangue. Outros dizem que ser advogado é uma profissão inimaginável  pelo seu linguajar rococó e pelos prazos enormes para que as coisas se decidam. Hoje, durante um voo concluí que mesmo que eu fosse ultra bem remunerado, jamais seria um “aeromoço”. Falar pelo menos umas 50 vezes por voo: o que o sr. desejaria para beber ? Prefere carne ou frango ? Seria uma tortura muito grande. Sempre ouço que eles conhecem o mundo mas para cada aeromoço que voa para Paris imagino que exista meia dúzia voando para alguns cafundós menos charmosos. Pela vocação de servir, sempre comparo o trabalho de um aeromoço com o de um garçom, mas acabo de concluir que o garçom interage mais com seu cliente, que pode ao menos escolher entre itens diferentes do cardápio.  Ou seja, tem alguma surpresa, tem variação. Aeromoço acaba sendo quase atendente do McDonalds…o passageiro tem que pedir pelo número.  No Mc, o cara ainda dá troco e o ambiente de trabalho não chacoalha e nem corre o risco de cair. Deve ser mais divertido…

Hors Concours

E começou o carnaval. E volta aquela sensação de já vi isto em algum lugar…Carro abre alas da escola de samba quebra e atrapalha a evolução da escola. Ivete anima milhões de foliões sob sol de trinta e poucos graus. Bonecos gigantes animam o carnaval de Olinda. Rainha da bateria arrebenta,equipada e turbinada por novos peitos de 500 ml de silicone. Celebridades B tentam aparecer no camarote das cervejarias. Enfim…mais do mesmo, 2012 igual a mil novecentos e bolinha. Me lembrei de um personagem que marcou época no carnaval do RJ e que para mim tinha a incrível capacidade de representar este tédio carnavalesco. Ele se chamava Clóvis Bornay e era o campeão máximo dos desfiles de fantasia. Ganhou tanto e era tão superior aos outros que me fez aprender qual o significado da palavra Hors Concours.
Clóvis participava dos concursos mas em uma categoria a parte e por isto era Hors Concours, ou em francês,literalmente, fora do concurso. Ano após ano surgia o Clóvis. Exuberante ! 150 toneladas de paêtes, uma duna de purpurina e uns 50 pavões sacrificados para fazer sua fantasia. Todos os anos eu achava que ele estava vestindo a mesma roupa que havia sido tingida, mas não. Percebia que algo havia mudado pelo nome de seus trajes: em um ano era algo como “Libélula gloriosa abençoada pelo sol de deus Rá” , no ano seguinte surgia o “Netuno enfeitiçado pela magia de Iara no resplendor do Rio Nilo”. Eu não entendia nada, achava tudo igual e acho que era igual mesmo. Clóvis morreu faz tempo mas esta sensação de tédio momesco e de repetição não me abandonou.

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