“Friends may come and go, but enemies accumulate.”
Thomas Jones (1892-1969)
Cápsulas e reflexões contra a monotonia.
Era uma vez um cara que surgiu do nada. Parecia ter potencial. Mereceu uma chance. Começou a vencer. Não parou mais de vencer. Ficou temido. Era imbatível. Ganhava de tudo e de todos. Foi eleito o melhor de todos os tempos. Um dia achou que a sua vida estava sem graça, monótona e resolveu se aposentar para ficar com a família e fazer outras coisas. Saiu dos holofotes, sentiu falta das glórias e pediu para voltar. As portas se abriram…O mito retornava. Onde está o mito ? O tempo passou, as vitórias do passado viraram lembranças. Os erros que antes eram perdoados e tratados como um sinal de arrojo, passaram a ser vistos quase como traços de senilidade. O respeito do passado se transformou em chacota no presente. O mito virou mortal. Pior do que mortal, virou descartável. Michael Schumacher foi gentilmente convidado pela Mercedes a abrir caminho para os mais jovens. Seus títulos serviram apenas para fazer com que merecesse uma saída com um pouco de mais classe. Depois de tantos anos lidando com a velocidade, ele deveria ter aprendido que nada passa mais rápido do que o tempo e que não adianta querer pará-lo. Ele sempre vence no final…a juventude sobrevive apenas nos retratos.
Publicado em Automobilístico, Esporte, Reflexivo
Você viajou bastante nos últimos meses…acumulou milhas. Gastou em seu cartão de crédito. Acumulou mais milhas. Escolhe um destino para ir viajar no feriado que é tão popular como Brasília, ou seja…ninguém mais quer ir . Analisa os voos. Coisa rara: há voos no horário que você quer, com assentos disponíveis para milhas. Há um momento de regozijo interno…viajarei de graça e tenho certeza que meus colegas de voo estarão pagando tarifa Premium Mega Blaster. Você dá uma piscada discreta e se sente orgulhoso por esta conquista. Hora de materializar a emissão do bilhete. Entre com a senha do site, o seu número Multiplus e a sua senha de resgate…Tudo falado com muita naturalidade, como se estivessem pedindo a sua data de nascimento. Desafio superado…descobri todas as combinações alfanuméricas que solicitavam e me sinto preparado para poder desprezar todos aqueles viajantes pagantes. Dados fornecidos, indique o seu telefone para receber um sms de confirmação do processo…Não, o meu telefone não é nenhum destes que aparecem na tela. Quero incluí-lo…vasculho o site…como faço para simplesmente alterar o meu telefone ? Nada… Ligo para a central do programa: o senhor deve enviar e-mail com seu comprovante de residência, seuRG e CPF scanneados para que analisemos se a sua solicitação procede. Como assim ? Vocês irão analisar se o número de telefone que eu estou pedindo para incluir procede ?? Como ele não procederia ?? Se fosse um 0800 ??? Lamento senhor, sem “estar enviando” os documentos o senhor não poderá “estar resgatando” seus pontos. É para a sua segurança. Minha segurança ?! Cuidem da manutenção dos aviões e treinem os seus pilotos. É isto que espero para a minha segurança quando se trata de uma companhia aérea.
A sede de vingança e o prazer de viajar de graça não te deixam desistir…E-mail enviado. Obrigado. Em 72 horas daremos uma resposta. 72 horas para ver se a inclusão do telefone faz sentido ??? Calma… Você é perseverante…Irá vencer. Vem a resposta: seus documentos chegaram ilegíveis, por favor reenviá-los ! O que é isto ?? Primeiro de Abril ? Método de tortura chinesa ?? Você pensa em mandar entregar uma carta psicografada com elogios pessoais para o comandante Rolim…! Relaxa. Você conseguiu ganhar a Libertadores este ano..não será a TAM que irá derrotá-lo. Se passam mais 3 dias e seu telefone finalmente é cadastrado. Como ninguém quer viajar para este fim de mundo, você consegue a sua passagem ! Para ser coerente com o que ocorreu até aqui, no dia da viagem posso esperar um assento vip no porão da aeronave. Esta será a retribuição pela fidelidade !
Este final de semana finalmente fui assistir ao filme francês “Os Intocáveis” . O filme é inspirado em uma história real e conta a relação de Philippe, um milionário tetraplégico de Paris, e Driss, o seu improvável cuidador. Pobre, ex-presidiário, sem um currículo profissional mas cheio de vida e seguro de si, Driss acaba sendo o perfeito contraponto para Philippe e esta relação que começa restrita a patrão e empregado, acaba virando um elemento de transformação na vida de ambos. Este enredo tinha tudo para se transformar em um melodrama mexicano mas o tom do filme passa longe de ser piegas e o bom humor é marcante ao longo de toda a história. Classificar o filme como comédia porém, acaba sendo bem superficial. Não dá para sair do cinema e não pensar na vida…Comédias de verdade são esquecidas no caminho de volta para casa…Com “Os Intocáveis”, isto definitivamente não acontece e pelo menos para mim, sobrou aquele leve incômodo reflexivo. Fiquei pensando que talvez mais do que “Os Intocáveis”, talvez o filme devesse se chamar “Os Excluídos”. O ponto de união entre os personagens é justamente a exclusão social de ambos. Philippe, rico, refinado, excluído por suas limitações físicas. Driss, imigrante, malandro, excluído por sua origem. Dinheiro não compra a vitalidade e energia que Philippe tanto desejaria reconquistar…Driss provavelmente abriria mão de sua auto-confiança e poder de sedução, em troca de mais alguns passeios de Maseratti , banhos de banheira e restaurantes refinados. Escolher entre dinheiro e saúde sempre me pareceu óbvio mas ao terminar o filme e me colocar no lugar de Driss fiquei pensando se a minha visão é realmente universal. Fiquei com dúvidas….
Ah,o pôr-do-sol…Vivo em uma cidade em que mal consigo ver o céu, que dirá o sol, ainda mais se pondo laranja no horizonte. Em alguns lugares inventaram de bater palmas quando o sol some, outros enfeitaram mensagens de auto-ajuda em powerpoints com a imagem do sol se pondo ao fundo, namorados meio melados vivem fazendo suas juras de amor eterno sob os últimos raios coloridos antes do anoitecer. Em resumo: fizeram de tudo para colar uma imagem meio breguinha no pôr-do-sol e admirá-lo passou a dar uma certa vergonha…Complicaram ainda mais a vida do sol com as novas regras da língua portuguesa que transformam em um enigma de esfinge a grafia correta de qualquer palavra composta e o pôr- do-sol escapou de ser fundido, ganhou hífens e continua complexo de ser escrito. Se eu fosse o “astro-rei” (até esta denominação tem gosto bem duvidoso, parece que estamos falando do Roberto Carlos…), contrataria um personal stylist para retrabalhar a minha imagem e me repaginar… Nesta viagem porém, o sol se reabilitou e foi com força total. Dubrovnik,com seus muros ao lado do mar, seria naturalmente um ponto alto da Croácia… com a bola alaranjada descendo atrás da cidade murada será lembrada para sempre…que pores-do-sol !
As experiências de praia sem a existência de uma praia propriamente dita prosseguiram nos nossos últimos dias em Dubrovnik, na Croácia. Desta vez, em nosso hotel tivemos uma legítima sensação de como é tomar sol na laje. O rochedo abaixo do hotel, foi todo cimentado, criando pequenos platôs, onde espreguiçadeiras são colocadas…Quer sentar na primeira fila, mais próximo do mar ? Reservas na recepção e pagamento de 25 euros por cadeira. Nos contentamos em ficar um pouco mais longe da água, afinal por 25 euros Iemanjá em pessoa deveria vir nos receber…
Fiquei pensando como conseguiram bater lajes e descaracterizar o paredão de pedras sem serem destruídos por ecologistas…Enfim…lá estávamos nós, como lagartos tropicais em cimentão croata….Para a experiência ficar plena, tivemos a companhia de poleiro de um grupo animado de brasileiros. Abordaram o garçom e pediram ” very much beer with very much ice in the bucket”. Apesar do dialeto, conseguiram se comunicar, receber um baldinho cheio de cervejinhas e beber felizes e animados. Não precisaram nem do pagodinho ou do little mimi barbecue para completar a dominação absoluta….Falando alto e virando uma cerveja atrás da outra, o território era brazuca. Aha, uhu, a laje é nossa….era sinal que estava chegando a hora de voltar para casa.
As fronteiras com os vizinhos da Croácia são bem próximas e resolvemos nos aventurar pelas terras da Bósnia e Herzegovina para conhecer Mostar. Mostar é reconhecida como um patrimônio da humanidade pela Unesco e é conhecida pelo seu centro histórico e por sua ponte do século XVI. Na verdade, a ponte original era do século XVI, a ponte atual tem menos de dez anos e foi reconstruída após a destruição da original em 1993, durante a guerra da Bósnia.
Entrar em contato com as marcas de uma guerra tão recente é perturbador e constrangedor. Como assim um bombardeio no meio da Europa em 1993 ? Eu já estava formado e trabalhando…Claro que eu já tinha ouvido falar na guerra da Bósnia mas quando você observa de perto que o pau comeu tão próximo de vizinhos tão poderosos e sem maiores interferências, dá uma certa vergonha da humanidade. Fora a ponte nova, você ainda encontra ruínas de várias casas derrubadas e diversas paredes furadas de balas…
Hoje em dia os turistas estão por todas as partes e se você quiser pode se concentrar apenas em tirar as suas fotos, comprar ímãs de geladeiras com a imagem da ponte e contribuir com algumas moedas para que um nativo dê um salto acrobático no rio mas a verdade é que mais do que um day trip, foi uma viagem a um passado muito próximo e muito feio.