Bons tempos em que as portas de banheiro eram claramente identificadas com um singelo “H” ou “M” ou com bonequinhos primitivos que uma criança de dois anos seria capaz de identificar. Hoje em dia, quanto mais moderno se proclama o estabelecimento, maior é a tentativa de tentar ser criativo ao diferenciar o banheiro masculino do feminino. Surgiram ícones tão indecifráveis nas portas, que por vezes eu achei mais conveniente me segurar do que arriscar. Na hora do aperto, tentar inferir o que quer dizer uma boina, um berrante,um traço ou um simples elemento gráfico não é das coisas mais fáceis. O risco de invadir o banheiro do sexo oposto ficou cada vez maior e além de ser uma garantia de constrangimento, passou a ser também a comprovação de déficit intelectual para decifrar as charadas das portas.Designers e decoradores precisam ser lembrados que antes de ser bonito, o objeto tem que cumprir a finalidade a que se destina. Símbolos de porta de banheiro não foram feitos para criar dúvidas nas vítimas angustiadas, foram feitos para te levar o mais rapidamente possível ao seu destino…
Arquivo mensal: abril 2013
Avesso
É fantástico este campeonato paulista. Você joga 19 jogos, consegue a sua classificação em uma boa posição e isto te dá o incrível direito de jogar em casa no momento da decisão. Nada além disto, nem sequer a vantagem do empate. Se empatar, pênaltis, sem prorrogação. Na hora da decisão, em que finalmente o interesse e a audiência aparecem, cria-se uma fórmula com um mata-mata só de ida (ou seja, “mata”). É tudo ao contrário…Esquisito. Para estar alinhado com este iluminado campeonato, o São Paulo, que um dia se auto-proclamou soberano, lança um uniforme para comemorar as novas cadeiras do estádio. Sim, uniforme vermelho “cadeira”. Uniforme novo, jogo decisivo, bom público, TV, bom retorno para os patrocinadores, certo ? Errado. Conseguiram fazer um uniforme em que as marcas dos patrocinadores e o distintivo do clube, não aparecem. Foram colocadas em uma espécie de marca d’água. Parece que a camisa está do avesso…O seu adversário, a Penapolense, também não deixou barato, optou por uma versão uniforme “abadá”, com umas dez marcas de todas as cores, sobre um fundo listrado. Na verdade,o que está do avesso é este campeonato. É uma aula de como fazer para não atrair atenção de torcedores e patrocinadores.
Publicado em Esporte, Futebolístico, Marketing
Correntes migratórias
Lá fui eu para mais uma viagem a trabalho partindo de Congonhas. Aeroporto central, de fácil acesso, permite que você ganhe alguns minutos de sono e economize no taxi. Mas o que realmente diferencia Congonhas de todos os aeroportos do mundo, é uma frase que acompanha todos os anúncios de voo: “devido ao reposicionamento de sua aeronave, o seu portão de embarque foi alterado.”
O que está impresso em seu cartão de embarque ou consta do painel informativo, não serve para nada. Ou melhor, serve de referência para você combinar encontros com os seus colegas de empresa que embarcarão na mesma viagem. Isto não é exceção.É regra. A partir dos anúncios,o que se observa são correntes migratórias dentro do aeroporto…Passageiros se deslocando de um portão para o outro como fazem as andorinhas no verão e as baleias jubarte no inverno. Alguns rumam para o piso inferior, outros sobem, outros não entendem nada e ficam parados,incrédulos esperando por uma lógica.O que causa este reposicionamento tão frequente ? Será que os pilotos se comportam como motoristas em um estacionamento de shopping center, procurando vagas próximas dos elevadores ? Estacionam onde querem e geram uma bagunça ou isto é a prova de uma notável desorganização tropical ?
Linha de chegada
Diz a regra que vence quem tiver metade mais um.
Dizem os derrotados que a diferença foi só de 1,7 % dos votos válidos.
Dizem os vencedores que são mais de 200.000 votos de diferença.
Só um ganhou.
Diz a regra que é preciso correr 42 Km.
Dizem todos que basta chegar para ser um vencedor.
Dizem que foram pelo menos 2 explosões, 3 mortos e 140 feridos
Todos perderam.
Publicado em Cotidiano
Domésticas,Feliciano,Mercury e tomate
Nos últimos dias estou tomado por uma dúvida que me persegue. Algo bem mais profundo do que o dilema de Tostines …Quero saber qual dos assuntos é mais chato: a nova lei das empregadas domésticas, o Pastor Feliciano, o casamento da Daniela Mercury ou o preço do tomate ? Por enquanto, estão todos em empate técnico no quesito chatura e qualquer menção a um destes temas tem me gerado reações alérgicas e rompantes de querer rasgar o jornal e quebrar a televisão e o computador.
A lei Áurea não teria gerado tanta polêmica como a lei que regulamenta o trabalho das empregadas domésticas.O nobre pastor está conseguindo mais espaço na mídia do que se fosse dono do canal do bispo e de ilustre desconhecido se transformará em um dos mais votados na próxima eleição. A Daniela Mercury com seu novo amor e uma fotinho no Instagram, conseguiu aparecer mais do que quando ainda fazia sucesso, há uns 20 anos.O tomate não era tão falado desde que meus colegas de primário me contavam piadas muito engraçadas sobre tomatinhos atravessando a rua.
Será que não temos outros assuntos, um pouco de variação para ampliar um pouco o repertório das pessoas ? Eleição de uma nova Panicat ? Ameças da Coréia do Norte ? Estréia de Dani Calabresa no CQC ? Morte de Margareth Thatcher ? Novo vídeo no Porta dos Fundos ? Vamos brincar de “é proibido falar doméstica,Feliciano,Mercury e tomate” ?? A humanidade agradece.
Publicado em Cotidiano
O dono da bola
Bons tempos em que os donos da bola tinham alguns privilégios. Ser o dono do objeto principal de um jogo de futebol era garantia de presença no time titular, mesmo que fosse para ser goleiro. Qualquer ameaça de substituição por parte dos craques do time, era prontamente respondida com uma nova ameaça de levar a bola embora e interromper a partida. Melhor manter o “grosso” no time do que não ter jogo…Bolas de capotão eram objetos de desejo, sonhados presentes para noites de natal, eram cuidadas com afeto. Quantos muros não foram pulados, campainhas tocadas, moitas reviradas, carros parados, em busca de uma bola idolatrada e que escapou das quatro linhas ?
Eis que veio a popularização das bolas, materiais sintéticos, preços em queda nas Decathlon da vida, foram transformadas em itens de coleção e não mais de idolatria. Resultado: cada criança chega para jogar com a sua própria bola. Deixaram de ser brancas e ganharam cores e adereços. Bolas laranjas ? Desde quando temos neve por aqui ? As bolas deixaram de ser amadas e passaram a ser funcionais. Jogos de crianças começam com fartura de pelotas…uma em campo, quatro ou cinco aguardando do lado de fora.Intactas,virgens, sem sinais de dor ou cicatrizes. Hoje em dia ser dono da bola não garante mais vaga de titular…hoje é preciso ser dono do campo.
Publicado em Futebolístico, Kids, Reflexivo
Arte abstrata
Fui a abertura da SP-Arte que vem a ser uma exposição coletiva das maiores galerias de arte do Brasil. Difícil saber se eu prestava mais atenção nos quadros ou no público. Um Di Cavalcanti para cá, uma Tarsila do Amaral para lá, um Picasso solitário de enfeite, várias fotografias em preto e branco, coisas legais, coisas horríveis…Mas e o público ?
De um lado os intelectuais, analisando em profundidade qualquer coisa que estivesse pendurada nas paredes. Olhares contemplativos, visão de raio X atravessando as telas , comentários intensos sobre os artistas, suas fases, os materiais e as texturas utilizados nas obras…Placas de saída de emergência e hidrantes eram analisados por eles como obras modernistas.
De outro lado, a turma do gel. Pinta de banqueiros, engravatados, acompanhados de esposas que se produziram em cabelereiros ao longo da tarde. Bajulados pelos vendedores das galerias, olhavam discretamente para a etiqueta que identificava os autores dos quadros e o entusiasmo pela obra era imediatamente relacionado ao seu valor de mercado. Chiques, desfilavam pelo pavilhão da bienal bebericando Chandon nacional em taças de plástico.
Uma fusão de públicos bem abstrata…da próxima vez deveriam pendurar os maiores representantes destas tribos nas paredes…A exposição ficaria ainda mais divertida.
Publicado em Cotidiano, Etnografia