Há muitos séculos, em um reino distante, havia um mandamento que dizia que onde se ganhava o pão não se comia a carne. Tementes de punições, éticos e respeitadores das normas vigentes, os trabalhadores se dedicavam à sua labuta diária sem sequer olharem para os lados. Por mais arrobas que tivessem e fogosas que fossem, as vacas levavam uma vida entediada e livre de assédios.
Os anos foram passando, o efeito estufa começou a transformar o reino em um ambiente úmido, sufocante, com ares tropicais, com um clima que lembrava o do Brasil de hoje. Naquelas terras, talvez por conta do calor intenso ou da colonização lusitana, aos poucos as regras foram sendo afrouxadas. Muita gente começou a comer a carne, sem se importar em nada com o pão, que ainda foi amassado pelo diabo e execrado por ter uma união estável com o glúten. As vacas, antes ignoradas e protegidas pelo nobre colega carboidrato, viraram a preferência nacional, veneradas e cobiçadas. De ancudas passaram a ser conhecidas como popozudas e quanto mais carne tivessem, maior era a sua cotação no mercado. Outrora confinadas em claustros, avançaram e passaram a desfilar em pastos imensos que tomaram o lugar de vastas florestas derrubadas.
Alguns moradores do reino, de orientação conservadora e puritana, clamavam por um retorno ao passado e por isto tentaram perturbar as vacas emergentes, se vestindo de amarelo. Campanha nacional pelas “Vacas Amarelas”, que nada falam e não incomodam ninguém…Queriam um país de vacas recatadas, pudicas. Chamaram-nas de loucas, propuseram exilá-las em brejos remotos ou servi-las mal passadas, para que fossem perseguidas pelo vermelho de seu corpo, que alertaria a todos do perigo de novas ameaças comunistas. De nada adiantou esta mobilização e as vacas tropicais foram ganhando o mundo, se transformando em legítimos produtos de exportação. Eram vistas por aí em capas de revistas, fantasiadas de anjos ou sob a forma de bifes que enfeitavam várias mesas. As vacas do reino eram imbatíveis…onde chegavam, arrasavam. Tinham um charme e um segredo inigualável: a sua picanha, sempre farta e suculenta…
Picanhas, picanhas, picanhas, ora por que não piranhas ? Tudo se misturava em busca do tão desejado mercado internacional e a esperteza era parte da cultura daquela região do globo. A balança comercial do reino passou a depender deste binômio e os gringos embora não compreendessem bem a diferença sonora entre as duas coisas (hora pediam picanha, ora pediam mais piranhas) se deliciavam e se esbaldavam com ambas. Ficavam sempre satisfeitos com o que recebiam e tudo parecia caminhar para um post de final feliz . Mas eis que um dia um desavisado, após anos de profunda investigação, concluiu que a carne era fraca não por causa da piranha, mas sim da picanha ! Chamou a imprensa, divulgou a sua descoberta nas redes sociais. Picanhas, piranhas, gatos e lebres. Tudo se misturou de vez como farinha e aquelas terras distantes, já tão machucadas e amarguradas, sofreram um pouco mais. Mais tarde descobriu-se que o responsável pela avacalhação era um justiceiro com alma de toureiro que queria deixar os animais estirados no centro da arena sob acenos e gritos de Olé. Conseguiu. Carne fraca, miolo mole. O reino por um tempo exportará apenas piranhas.